Todo condômino (proprietário) é titular das prerrogativas inerentes ao direito de propriedade inseridas no artigo 1.228 do Código Civil, quais sejam: (a) Usar, (b) gozar, (c) dispor e (d) reivindicar.
Nesta linha de raciocínio, a teor da redação do artigo 1.335, inciso I, do Código Civil, o condômino poderá utilizar e fruir livremente de sua unidade habitacional, desde que, entretanto, na forma do artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, a utilização não prejudique o sossego, a salubridade e a segurança dos demais.
Ainda neste influxo, vale mencionar que o artigo 1.277, também do Código Civil, determina que o proprietário ou possuidor (ocupante) de um imóvel, poderá fazer cessar todas as interferências prejudiciais à saúde, à segurança e ao sossego geradas por seus vizinhos.
A título ilustrativo, na forma estabelecida pela Lei do Inquilinato (8.245/91), quando um imóvel é alugado, alguma destas faculdades são transmitidas ao locatário, notadamente o direito de uso e gozo da unidade locada, o que vale dizer que não apenas o proprietário poderá lançar mão das prerrogativas dos artigos 1.277 e 1.336, inciso IV, do Código Civil, mas como todo e qualquer ocupante da unidade (possuidor) também poderá fazê-lo.
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Toda esta conceituação preliminar faz-se necessária para que se possa afirmar que a lendária “lei do silêncio”, cujo horário de produção de ruídos é estipulado pelo regulamento interno de cada condomínio, não diz respeito somente ao horário em que o ruído é promovido, indo muito além disso, eis que a regra trata de que as unidades vizinhas/compossuidoras não poderão prejudicar o sossego, a segurança e a salubridade umas das outras.
É certo que os ruídos produzidos deverão limitar-se às balizas traçadas pelo Código de posturas existente em cada município, cuja sessão pertinente à emissão de ruídos causados por atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, deverá obedecer à Resolução 01 de 08 de março de 1990 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e a NBR 1051, cuja tabela contemplando os níveis de ruídos aferidos em decibéis segue abaixo, discriminada em função das diferentes áreas de uma cidade:
TIPOS DE ÁREAS | DIURNO | NOTURNO |
Áreas de sítios e fazendas | 40 | 35 |
Área estritamente residencial, urbana, de hospitais ou de escolas | 50 | 45 |
Área mista, predominantemente residencial | 55 | 50 |
Área mista, com vocação comercial e administrativo | 60 | 55 |
Área mista, com vocação recreacional | 65 | 55 |
Área predominantemente industrial |
Os tribunais brasileiros vêm entendendo pela ocorrência de dano moral aos indivíduos expostos a ruídos intermitentes, conforme demonstrado pelo julgado originário da Comarca de Joinville/SC, apelação número 2012.073930-4, abaixo apresentado:
Apelação cível. Ação cominatória para condenação em obrigação de fazer cumulada com multa. Cerceamento de defesa. Preliminar rechaçada. Direito de vizinhança. Condomínio. Salão de festas. Propagação de ruídos superior ao tolerável pelo código de postura municipal. Perícia judicial. Isolamento acústico. Obras necessárias. Responsabilidade do condomínio. Sentença mantida. Recurso parcialmente provido.
“É dever do juiz velar pela rápida solução do litígio, indeferindo a prova inútil e sem qualquer proveito prático no caso em exame, tudo de modo a garantir a razoável duração do processo” (TJSC, AI n. 2009.070980-6, de Balneário Camboriú, rel. Des. Jânio Machado, j. em 13-12-2010).
“O ruído em excesso não causa apenas insatisfação e desconforto, senão provoca enfermidades detectadas pela medicina tradicional e pela psiquiatria. Surdez precoce e depressão por falta de sono são apenas uma parcela das consequências da produção de energia sonora em demasia, signo desta era mas que não é impositivo a quem alega perda evidente da sua qualidade de vida” (TJSP, Ap. Cív. 0092128-64.2008.8.26.0000, de São Paulo, rel. Des. Renato Nalini, j. em 9-2-2012).
Além dos efeitos civis, a produção de ruídos gera efeitos junto à esfera criminal, posto que a Lei 3.688/1941, na forma do seu artigo 42, considera perturbação do sossego alheio uma contravenção penal.
A fim de fazer valer o seu direito, o morador que se sentir prejudicado poderá lançar mãos das faculdades inseridas nos anteriormente mencionados artigos 1.277 e 1.336, inciso IV, do Código Civil, ingressando com uma ação de obrigação de não fazer com pedido de aplicação de multa diária em face do responsável pela produção dos ruídos incômodos, conforme retratado pelo julgado proveniente da apelação 0112483-18.2010.8.26.0100, do Tribunal de São Paulo, abaixo reproduzido:
OBRIGAÇÃO DE FAZER. Bomba d’água localizada abaixo do apartamento da autora, sem isolamento acústico, provocando excesso de barulho. Condenação da ré na obrigação de fazer consistente no deslocamento da bomba d’água. Sentença extra petita. Pedido formulado na petição inicial de condenação em obrigação de fazer consistente em “fazer um isolamento acústico na bomba da caixa d’água e/ou instalar um timer que controle o seu funcionamento, a fim de evitar que seja ligada durante a madrugada”. Existência de outras maneiras menos onerosas de solucionar o problema, de acordo com o laudo pericial. Deslocamento da bomba que deve ocorrer somente se outras medidas não forem suficientes para solucionar o problema. Sentença reformada. Condenação da autora em honorários sucumbenciais recursais. Recurso provido.
Mas atenção: como em toda demanda judicial, será estritamente necessária a comprovação da ocorrência dos transtornos, fato que demandará a elaboração de um parecer técnico a ser lavrado por um profissional habilitado para tanto, sob pena de o prejudicado não obter sucesso em suas pretensões processuais.
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Gustavo Camacho é advogado, sócio da Camacho Advogados, pós-graduado em direito processual civil, pós-graduado em direito Civil e empresarial, LLM em direito empresarial, pós-graduando em direito Imobiliário, líder coach, diretor jurídico adjunto da ASDESC, presidente da comissão de direito do consumidor da OAB Joinville, articulista de jornais e revistas especializadas em condomínios.
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