De acordo com a definição no Wikipedia, “Contabilidade é uma ciência aplicada, que tem como objeto de estudo o patrimônio das entidades, seus fenômenos e variações, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, registrando os fatos e atos de natureza econômico-financeira que o afetam e estudando suas consequências na dinâmica financeira.”  Neste artigo, vou focar a atenção nesse último trecho: registrando os fatos.

Vamos começar pelo começo. A estrutura básica dos balancetes de condomínio – um dos principais instrumentos da gestão financeira nos condomínios – é chamada de plano de contas. Trata-se da definição de como os lançamentos devem ser organizados para que permitam ao gestor analisar a evolução dos números e, com base nisso, extrair informações e tomar decisões. É lá que ficam os grandes grupos “Receitas” e “Despesas”, e abaixo deles, subgrupos e rubricas. Exemplo:

 

DESPESAS                               Grupo

Despesa com Pessoal          Subgrupo

Salários                                    Rubrica

 

É nas rubricas que os valores são lançados sempre que há uma movimentação financeira. É como se fossem as “gavetas” onde os lançamentos são guardados. Por sua vez, esses lançamentos são totalizados nos subgrupos, que por fim compõem o valor total do grupo. Pode soar complicado, mas é só isso. A casca de banana não está aí. Está na classificação correta desses lançamentos. Em outras palavras: se você lança um valor na “gaveta” errada, isso certamente vai dar problema. E por que?

Quando você faz uma previsão orçamentária bem feita, você cria projeções futuras de receitas e despesas, mês a mês, distribuídas em várias rubricas diferentes. Se a projeção de despesa com salários num determinado mês é de, digamos, R$1.000 , e a contabilidade lança uma despesa de manutenção equivocadamente nessa rubrica pelo valor de R$2.000, então as chances do valor mostrado na rubrica salários, nesse mês, ser de R$3.000 são bem grandes. Esse é um erro típico de classificação, onde o valor de uma rubrica foi parar em outra e estourou completamente a previsão. De maneira análoga, a rubrica de manutenção deve estar acusando um valor R$2.000 mais baixo.

O exemplo acima é possível, mas esdrúxulo. Um contador sabe reconhecer, através da documentação fornecida (notas fiscais, recibos)  o que é uma despesa de salário e o que é uma despesa de manutenção. A probabilidade de erro aqui é baixa, pois os documentos trazem informações que ajudam a classificar a despesa. Mas nem sempre é assim.

Vamos imaginar que o condomínio compra R$1.000 em tijolos e R$1.500 em cimento. Aí o síndico envia essas notas fiscais e comprovantes de pagamento para a contabilidade sem falar nada. Apenas envia e deixa que o contador “adivinhe”. Pois bem, vamos ver o que pode acontecer. Ele vai olhar as notas fiscais e ler “tijolos” e “cimento”. Depois ele vai olhar no plano de contas e procurar a rubrica onde ele deve lançar essas despesas. Aí ele encontra duas: “manutenção” e “benfeitorias”. Em qual delas ele vai lançar? Se você fosse esse contador, em qual lançaria? Pois é, você não sabe. Nem ele.

Olha a encrenca: se a despesa com tijolos e cimento refere-se a reparos, por exemplo, num muro pré-existente, essa é uma despesa ordinária, e deve ser paga pelo morador, seja ele inquilino ou proprietário. Mas se essa despesa refere-se à construção de uma nova sauna, por exemplo, essa é uma despesa extraordinária, e como tal deve ser paga exclusivamente pelo proprietário. E ainda tem outra possibilidade: uma parte da despesa é para manutenção, a outra parte para benfeitorias. Já imaginou o problema quando o inquilino ou o condômino descobre que pagou algo pelo qual não era responsável?

Se ao enviar a documentação financeira para a contabilidade a bola de cristal do contador não estiver funcionando, só resta uma saída: o síndico deve informar claramente como aquelas despesas devem ser classificadas. Algo como “favor lançar 40% do valor cimento e 75% do valor dos tijolos contra a conta de manutenção, e o restante contra a conta de benfeitorias”. Pronto, viu como é simples?

Há outras situações peculiares que podem causar confusão, e que por isso necessitam de muita clareza na comunicação para não haver erros. Um exemplo simples: água. Em que rubrica você lançaria “água”? Os mais apressados responderão “Água”, dentro do subgrupo “Concessionárias”. Ok, é o mais provável mesmo. Mas e se for um condomínio que possui um bar, e que vende água mineral em copinho ou garrafa..? “Água” torna-se outro produto, e vai parar em outra rubrica.

Uma situação também bastante comum é o que eu chamo de “conta-saco”. Uma rubrica com um nome genérico, tipo “Serviços”, onde o contador lança tudo que ele não sabe bem como classificar. Simplesmente joga lá e pronto, livrou-se do problema. Com isso, os lançamentos das rubricas corretas vão “emagrecendo”, e essa conta-saco vai ficando obesa. O resultado: descontrole total das despesas.

Há 3 soluções simples para esses problemas: uma a ser adotada no começo do ano, outra ao longo do processo, e outra todos os meses.

No começo

Reveja o seu plano de contas. A maioria dos contadores e administradores têm um plano “genérico” para oferecer, mas ele não é necessariamente o mais adequado para o seu condomínio – e em especial, para VOCÊ, gestor. O plano de contas, acima de tudo, tem que fazer sentido pra você. A leitura deve ser fácil, fluida, simples. Permitir bater o olho e enxergar o que está acontecendo rapidamente. Extrair a informação que precisa e se sentir seguro para tomar uma decisão. Se não for assim, revise e proponha mudanças.

No processo

Aprimore a comunicação com a contabilidade. Coloque-se no lugar de quem está recebendo dezenas, centenas de documentos financeiros por dia e precisa colocar cada um dentro da “gaveta” correta. Que tipo de informação vai ajudá-los a agilizar o seu trabalho e diminuir dramaticamente a incidência de erro?

Todo mês

A única forma consistente de detectar inconsistências e erros como os que listei acima é fazendo um acompanhamento orçamentário mensal. Traduzindo: comparar os valores projetados na previsão orçamentária com os realizados no balancete. Se os valores estão próximos, tudo certo. Se variam muito, vale investigar a causa e agir corretivamente o mais rápido possível.

 

São medidas simples, que qualquer um com pouco ou nenhum conhecimento sobre contabilidade pode executar. Porém, as consequências de não adotar esses cuidados podem ser bem complicadas de resolver – e aí certamente não é pra qualquer um. Melhor evitar.

Escrito por:

Sérgio Gouveia - Administrador de empresas, MBA em finanças, Certificado em Gestão e Estratégia pela Fundação Dom Cabral. Professor formado pela Universidade de Cambridge e treinador de professores certificado pela International House, ex-diretor de empresas, empreendedor e síndico morador há 9 anos. Influenciador no Instagram no perfil @derepentesindico , Sérgio Gouveia busca traduzir o complexo em algo simples que todo síndico possa entender e utilizar na sua gestão.

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