Saber se comunicar e escrever bem é essencial para todos, especialmente para síndicos e administradores de condomínios. Pensando nisso, a coluna ”Não tropece na língua”, da Professora Maria Tereza Q. Piacentini, passa a fazer parte do nosso site. Todo mês uma nova publicação sobre a língua portuguesa.

 

Confira:

3 – EVENTO QUE SE REALIZARÁ – MESÓCLISE

*Convidamos para a feira do gado, que se realizar-se-á de 12 a 15 de março.

A frase acima foi destacada de um folheto promocional por conter um equívoco de redação. Existem erros que passam despercebidos, mas o bom ouvido logo acusa uma falta de eufonia no trecho ”que realizar-se-á”. Como o pronome relativo que tem a faculdade de atrair as partículas átonas, como o se, o correto é redigir assim:

  • Convidamos para a feira do gado, que se realizará de 12 a 15 de março.

O que leva muitos redatores a usar a mesóclise ”realizar-se-á” nesse tipo de frase? Certamento é o fato de o verbo estar no futuro do presente, pois se aprende na escola que a mesóclise [intercalação de pronome átono no verbo] é usada nos tempos futuros. Mas isso é apenas parte da questão. Falemos antes sobre esse tempo verbal.

O FUTURO

Em português temos dois tempos de futuro no modo Indicativo: o do presente, com as terminações ei, ás, á, emos, eis, ão (eu direi , tu cantarás…) e o futuro do pretérito, com as terminações ia, ias, ia, íamos, íeis, iam (eu diria, tu cantarias…). Este último já foi chamado de ”tempo condicional”, e é assim que se denomina em francês (conditionnel) e em italiano (condizionale).

No latim vulgar o futuro clássico foi substituído por uma composição do infinitivo de um verbo com o indicativo do verbo haver: saber + bei (ou hei de saber) = saberei; falar + hás (hás de falar) = falarás; realizar + hia (por havia) = realizaria. A princípio havia certa liberdade na ordem de colocação do infinitivo , que podia vir antes ou depois do verbo haver, mas depois ele acabou se fixando no primeiro lugar da construção. Entre nós ficou a consciência dessa formação original do tempo futuro, tanto é que se pode intercalar nele o pronome oblíquo átono [me, te, se, lhe/lhes, o/os, a/as, nos, vos]: sabê-lo-ei, falar-lhe-ás, realizar-se-ia. A essa interposição chamamos mesóclise.

ÊNCLISE INVIÁVEL

Primeiramente, sabe-se que é inviável ou proibida a ênclise com os verbos no futuro. Isso quer dizer que não se usam os pronomes átonos depois do verbo no futuro do presente ou do pretérito, assim: ”darão-se, levarei-te, fará-se” ou ”diria-se, contariam-nos, mandaria-lhe”. Essas formas verbais em início de frase devem ser transformadas em mesóclise: dar-se-ão, levar-te-ei, far-se-á, dir-se-ia, contar-nos-iam, mandar-lhe-ia.

No entanto, a mesóclise não é sempre obrigatória. Pode-se também usar a próclise com o futuro, ou seja, o pronome antes do verbo. Basta que para isso haja na frente do verbo uma palavra que atraia o pronome átono, como um advérbio de negação ou um dos conectivos iniciados com QU (para não falarmos em conjunção e pronome relativo): que, quem, qual, quais, quando.

Por consequência, não escreva:

  • Surgia a proteção que dar-se-ia pelas normas vigentes.
  • Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando dar-se-á ao cliente maior atenção.
  • Não se sabe quem interessar-se-á pela criação de ostras.
  • Jamais ser-lhe-á exigida indenização.
  • É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual tornar-se-á nula a inscrição.

Corrija para:

Surgiu a proteção que se daria pelas normas vigentes.

Transferiu-se a programação para o próximo sábado, quando se dará ao cliente maior atenção.

Não se sabe quem se interessará pela criação de ostras.

Jamais lhe será exigida indenização.

É necessário manter a ordem preestabelecida, sem a qual se tornará nula a inscrição.

 

Este conteúdo está disponível no Livro: Não tropece na língua – lições e curiosidades do português brasileiro  

 

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Sobre o autor   
                        

Não tropece na língua - lições e curiosidades do português brasileiro

Maria Tereza de Queiroz Piacentini

Catarinense, é licenciada em Letras (Português e Inglês), com Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Atualmente ministra cursos de português, revisa livros – incluindo revisão técnica de traduções do inglês e francês – e, como diretora do Instituto Euclides da Cunha, sediado em Curitiba/PR, é responsável pela consultoria de português e pelos textos do portal www.linguabrasil.com.br .

 

 

 

 

 

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