A gestão de condomínios é uma tarefa complexa que envolve diversas responsabilidades, desde a manutenção das áreas comuns até a administração financeira e garantidora. O que mantém essa roda girando de forma suave é, dentre outras coisas, um fluxo de caixa compatível com aquilo que foi aprovado na previsão orçamentária, e uma parte importante disso passa pela administração da inadimplência. Porém, tenho visto muitas previsões desenvolvidas sem muito embasamento ou cuidado onde, na maioria dos casos, a inadimplência é simplesmente ignorada.

Lança-se o valor das receitas necessárias para cobrir as despesas e considera-se que, como num passe de mágica, todos pagarão suas cotas ordinárias regular e pontualmente. Em Hogwarts, talvez funcione. Aqui no mundo real, sabemos que não é bem assim.

O resultado disso é que as receitas acabam sendo frustradas, e as despesas que eram necessárias ao bom funcionamento do condomínio acabam não se concretizando. As manutenções são reduzidas ao mínimo indispensável (ou a nenhuma mesmo), e o síndico vira refém dos intermináveis “incêndios” que se vê forçado a apagar à custa de taxas extras “bomba” e muito desgaste. O condomínio até aguenta isso por um tempo, mas o passar dos anos é implacável.

Para resolver a inadimplência, há basicamente dois caminhos. Um deles é a iniciativa do síndico em se capacitar, e depois, em parceria com seu Conselho Fiscal, administradora e assessoria jurídica, desenvolver, propor, aprovar em assembleia e implementar uma régua de cobrança eficiente. Uma régua é um processo de cobrança bem estruturado, que define claramente o que fazer e o passo a passo de como proceder em cada fase da cobrança, os atores envolvidos no processo, os recursos humanos, materiais, financeiros e equipamentos necessários para esse processo acontecer, dentre muitos outros detalhes. Depois comunicar com eficiência aos condôminos, colocar tudo isso em funcionamento e monitorar. Não é uma tarefa para amadores, nem para um síndico solitário.

Num cenário onde uma parcela significativa de síndicos não possui conhecimentos de gestão financeira ainda mais básicos do que esses, as garantidoras surgem como uma opção cada vez mais adotada. Garantidoras, também autodenominadas de receita garantida, são empresas que assumem a cobrança do condomínio antecipando, um ou dois dias após o vencimento, as taxas inadimplidas. Com isso, assumem também todo o processo de cobrança em todos os seus níveis, desde a emissão regular de boletos, passando pela cobrança amigável, o pré-contencioso e, se necessário, judicial, mediante terceirização, já que a cobrança jurídica não é a atividade principal da empresa, e tiram todas essas tarefas das costas do síndico. É claro que, como em qualquer serviço, elas cobram uma taxa, que será uma função de algumas variáveis como volume financeiro, perfil do condomínio, nível de risco da operação, dentre outros.

Para os síndicos que querem regularizar seus fluxos de caixa rapidamente – literalmente de um mês para o outro – e terem a certeza de, a partir daí, sempre terão suas receitas na conta no dia certo, soa como um bálsamo. E pode ser mesmo, pois esse problema simplesmente desaparece da sua lista. Do lado dos condôminos, essa opção também pode ser positiva, pois essas empresas tendem a dispor de maior liquidez, o que permite que os eventuais parcelamentos de débitos possam ser feitos num prazo mais elástico – coisa que o caixa do condomínio não suportaria.

Algumas garantidoras ainda compram os passivos anteriores à sua contratação, ou seja, pagam pelos débitos pretéritos – com um deságio, é claro – e isso pode ser uma injeção recursos muito bem-vinda no caixa do condomínio, que muitas vezes os síndicos não sabiam como recuperar e já consideravam como fundo perdido, e que às vezes são a salvação das finanças.

Por outro lado, é importante observar que haverá novos custos para o condomínio. É claro que o benefício pode – e deve – compensar esse custo. Se o condomínio, por exemplo, tem uma inadimplência média de 20% e contrata a garantidora a uma taxa que corresponde a 5% da sua receita mensal, nesse caso, é vantajoso. Não apenas financeiramente, mas também operacionalmente, já que essa tarefa não caberá mais à administração do condomínio, e será executada por especialistas.

O outro aspecto é que a cobrança passará a ser profissional e imparcial, ou seja, não haverá mais “jeitinhos” e concessões. Isso não é algo ruim, mas poderá representar um choque para uma massa condominial acostumada a rolar suas dívidas indefinidamente confiando no coração mole do síndico. Como sabemos, se a dívida chegar a ser judicializada, o condômino poderá inclusive ter seu imóvel leiloado. Isso não faz da garantidora um bicho papão, mas julgo importante o síndico entender bem como a empresa opera a cobrança em cada estágio e os detalhes da sua régua de cobrança, discutir esses detalhes com o conselho fiscal e aprovar a contratação em assembleia antes de bater o martelo. Em seguida, divulgar amplamente e dar um prazo para início das novas operações de cobrança.

A decisão pela contratação de uma garantidora passa pela análise de muitas variáveis importantes que merecem a atenção dos síndicos:

Liquidez

A garantidora dispõe de recursos para suportar o float financeiro de antecipações de créditos e o período de recuperação desses valores? Em outras palavras, se ela paga hoje aos condomínios que atende e só vai receber esses valores daqui a vários meses, terá recursos para continuar pagando durante a vigência do contrato? Continuará tendo essa liquidez se novos condomínios passarem a ser atendidos pela garantidora? A fonte dos recursos é sólida ou parece haver uma fragilidade? Como é a gestão financeira desses recursos?

Quando uma garantidora possui liquidez para parcelar as dívidas dos condôminos em um prazo bastante extenso, isso também é um diferencial, pois viabiliza para o condômino o parcelamento de sua dívida em prestações que cabem no seu bolso (coisa que o caixa do condomínio não suportaria), este parcelamento estará dirimindo o risco de não receber.

Gestão da cobrança

Como é a operação da cobrança? Como são os processos, a retaguarda (sistemas, integrações, call center, controles, governança)? Quais são as parcerias-chave que suportam e garantem as melhores taxas de sucesso da operação (ex: um bom escritório jurídico para lidar com as cobranças judiciais)? Que diferenciais ela oferece para parceiros estratégicos, como administradoras (ex: APIs de integração com sistemas que emitem balancetes e relatórios financeiros)?

Contrato

As cláusulas são abusivas? Exigem fidelidade incondicional? Pode ser rescindido a qualquer momento (geralmente mediante um aviso prévio de 30 a 90 dias)?

Custo

As garantidoras oferecem os benefícios mencionados acima e, obviamente, cobram por isso, o que é mais do que justo. No entanto, entender a cadeia de receitas, custos e riscos que elas incorporam e comparar esses mesmos componentes ofertados pelos concorrentes é essencial para poder negociar.

Creio que você vai concordar comigo que a receita garantida é parecida com um empréstimo. A garantidora repassa a receita com cotas condominiais utilizando como lastro os recebíveis do condomínio. Uma parte desses recebíveis têm risco menor que o outro. Eu explico.

Digamos que a inadimplência média no seu condomínio é de 20%. Isso corresponde a dizer que, em média, 80% das cotas são pagas pontualmente, por isso compõem um risco mais baixo do que os demais 20%, que estão em atraso. Então digamos que a garantidora te oferece seus serviços por uma taxa de 5% sobre o valor total dos recebíveis. A conta é esta aqui:

A conclusão natural é “Bem, se hoje eu recebo R$ 80.000 e ainda tenho dor de cabeça, então melhor receber R$ 95.000 sem dor de cabeça!” A resposta é sim.

No caso ilustrado acima, uma taxa de serviço de 5% está cara ou barata? A resposta é típica de advogado: “depende”. Depende do que? Depende do preço médio cobrado por empresas concorrentes. Entenda: estou falando de garantidoras concorrentes, e não de garantidoras x empresas de cobrança. São coisas distintas. Empresas de cobrança apenas cobram, mas não antecipam recebíveis. Então cuidado para não comparar laranjas com bananas e decidir só pelo preço.

Vamos entender como uma garantidora se remunera. As fontes de receita são as cotas condominiais, as multas, juros e honorários, além da taxa de serviço. Algumas também cobram por boleto emitido. No caso da receita principal, que são as cotas condominiais, acompanhe meu raciocínio, mais uma vez utilizando o exemplo acima: se 80% das cotas (R$ 80.000) historicamente têm sido pagas pontualmente, então, na verdade, a garantidora só está antecipando 20% (R$ 20.000), concorda? E está cobrando 5% (R$ 5.000) por essa antecipação. Se está antecipando R$ 20.000 e cobrando R$ 5.000 por essa operação, essa taxa é de 5.000/20.000 = 25% sobre o valor antecipado. Se tudo der certo, essa é a principal fonte, apesar dos riscos que mencionei mais acima.

Porém, há o risco de demorar para receber esses valores, ou até mesmo de não os receber, e isso também precisa ser considerado. Teoricamente, o risco parece ser apenas o de demorar, já que, em um ponto extremo do processo de cobrança, a lei garante que poderá haver a penhora de recursos do devedor ou até o leilão do imóvel, e geralmente o valor devido é recebido sem a necessidade de chegar a essa medida extrema. Porém, muitos percalços podem ocorrer ao longo do caminho da cobrança de valores devidos, por isso o risco é real. Alguns exemplos são:

  • Pode haver a prescrição da dívida pela demora da negociação em fase amigável;
  • Quando já em fase de cobrança judicial, pode ocorrer que o julgador entenda que há uma ilegitimidade ativa ou passiva por considerar que a nova operação caracteriza cessão de crédito, descaracterizando o propter rem (que decorre da relação entre o devedor e o bem);
  • O imóvel pode estar envolvido num processo trabalhista ou outro qualquer, e o bem ser liquidado antes da execução da dívida do condomínio;
  • O valor da dívida pode superar o valor do imóvel leiloado, deixando uma operação de recuperação de crédito deficitária.

E por aí vai. Portanto, a recuperação dos créditos que a garantidora assume repassar, como vimos, não é certa, e esse risco precisa ser incorporado à taxa de serviço.

Como essas empresas possuem estruturas especializadas em cobrança, a taxa de sucesso na recuperação desses créditos delas sempre é muito superior à de um condomínio desassistido, afinal, esse é o seu core business.

E dá pra diminuir a inadimplência sem a garantidora? Dá. Mas, como mencionei acima, isso exige expertise no desenvolvimento de uma régua de cobrança bem estruturada, o apoio de um escritório de advocacia especializado e pulso firme para mudar uma cultura interna de inadimplência que às vezes é endêmica. Nem todo síndico quer comprar essa briga.

Então contratar uma garantidora é bom ou ruim? Isso é a assembleia que vai decidir! O importante é entender como as variáveis se posicionam para poder tomar uma decisão equilibrada.

Escrito por:

Sérgio Gouveia - Administrador de empresas, MBA em finanças, Certificado em Gestão e Estratégia pela Fundação Dom Cabral. Professor formado pela Universidade de Cambridge e treinador de professores certificado pela International House, ex-diretor de empresas, empreendedor e síndico morador há 9 anos. Influenciador no Instagram no perfil @derepentesindico , Sérgio Gouveia busca traduzir o complexo em algo simples que todo síndico possa entender e utilizar na sua gestão.

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