Ainda tratada por muitos com certa displicência, esse documento é o norte financeiro do condomínio por um ano inteiro. E ele pode levá-lo à terra firme ou a um naufrágio.

Vou começar pelo óbvio: uma planilha em branco aceita qualquer número. O que você digitar lá, ela topa. Se os números forem uma mera peça de ficção – pior, se for aprovada assim numa assembleia desatenta – o desastre está a apenas alguns meses de distância.

Uma previsão é exatamente o que o nome sugere, ou seja, uma visão antecipada, uma olhada no que dá pra enxergar. Então tudo que puder ser antecipado precisa ser considerado para minimizar as chances de surpresas. Não se trata de adivinhação, mas da busca estruturada de dados concretos que permitam prever como os números vão se comportar ao longo do ano com elevado grau de certeza, embora nunca com 100%.

Nas minhas mentorias, tenho visto muitos síndicos fazendo um bom trabalho na administração das finanças, seja porque já trazem esse conhecimento e experiência, seja porque foram buscar essa capacitação. Porém, também tenho visto muitos síndicos gerenciando as finanças no puro empirismo, fazendo acrobacias grotescas em planilhas que às vezes nem os próprios autores conseguem me explicar… Então, vamos lá fazer a coisa certa.

Comece pelas despesas

O fim da linha deste processo é o estabelecimento do novo valor da cota condominial. No final das contas, é isso que os condôminos querem saber. Para chegar a ela, é preciso saber qual a receita total necessária para o condomínio honrar seus compromissos. E pra saber qual a receita necessária, é preciso saber qual a estrutura de custos e despesas.

Primeira coisa: as despesas que vamos orçar aqui são as ordinárias, ou seja, aquelas que bancam o dia a dia do condomínio. Água, luz, gás, salários, manutenções, essas coisas. Não trataremos de despesas extraordinárias neste artigo, mas nesse aspecto, recomendo definir um percentual de fundo de reserva (geralmente entre 5% e 10% da cota condominial) e adicioná-lo à previsão. Os demais fundos (ex: fundo de obras), tratar como projetos pontuais, a serem acompanhados através de um cronograma físico-financeiro. Mas isso é um outro artigo inteiro…

A forma mais comum de confeccionar uma previsão orçamentária é observar os valores médios de cada rubrica no ano anterior e aplicar algum índice de reajuste sobre eles. É aí que eu vejo muita gente boa aplicando um mesmo índice pra tudo, tipo o IPCA. Para muitos, isso aí basta. Hellooooo!

Então já podemos começar. Verifique se os números do ano passado parecem consistentes e confiáveis para utilizar como base de cálculo. Se parece tudo ok, então vamos ao próximo passo, que é garantir que todos os itens previsíveis foram considerados. Não me refiro apenas às óbvias despesas com salários, concessionárias, impostos, fornecedores etc. Refiro-me aos campeões de “esquecimento” pelos síndicos ao preparar suas previsões:

  1. Inadimplência

O brilhante economista americano Milton Friedman já nos alertava em sua frase célebre: “não existe almoço grátis”. Então, sinto informar, se tem gente deixando de pagar as cotas condominiais, alguém vai precisar bancar essa diferença por algum tempo. Por isso, verifique qual o montante que vem sendo pago a menos por mês e inclua esse valor na sua previsão de receita, senão a conta não vai fechar. E, paralelo a isso, recomendo providenciar com urgência mecanismos que reduzam essa inadimplência, pois essa situação é uma bomba relógio, e os condôminos adimplentes não vão tolerar por muito tempo, com toda razão.

     2.Manutenções “escondidas”

Você, como síndico, já visitou a casa de máquinas dos elevadores? A subestação? A casa de bombas? A sala de medidores de energia? A central de gás? Os reservatórios de água? Já foi nesse e em outros lugares acompanhado de um técnico apto a te sinalizar se algo necessita de manutenção, se é urgente ou não, ou quando vai custar pra consertar? Então, criatura, como você sabe se isso precisa entrar na sua previsão, ou o valor que vai lançar nela?

     3.Débitos fiscais

Os impostos estão todos em dia? Tem certeza? Quem te disse isso, o balancete? A única forma segura de averiguar se há pendências fiscais é emitindo as Certidões Negativas de Débitos (CND) do INSS, FGTS, Tributos Federais (PIS, COFINS, CSLL, IRRF) e Municipal (ISS). Sem isso você pode um belo dia ser surpreendido com uma notificação desagradável informando que o condomínio está em dívida ativa. Não vai ser barato resolver isso, acredite. Peça à sua administradora que emita essas CNDs a cada 6 meses e durma tranquilo. Mas se houver débitos, incluir esses valores na previsão.

      4.Utilização dos índices corretos de reajuste para cada rubrica

Por que há o IPCA, INPC, IGP-M, INCC, e tantos índices de inflação? Porque para cada cesta de produtos e serviços, para cada praça estudada, há uma variação diferente. Cada despesa tem um índice mais adequado para projetar seu reajuste. Não dá pra pegar um e aplicar em tudo! Salários tem o seu índice. Fornecedores, outro. Concessionárias (água, luz etc), outro. Produtos, ainda outro. E assim por diante. É essencial entender e dominar isso antes de projetar os valores do próximo ano na previsão.

       5.Provisões

São uma espécie de “poupança” feita mês a mês para uma despesa que é líquida e certa, mas que não acontece todos os meses. São exemplos comuns: 13º salário, férias, desinsetização, lavagem dos reservatórios de água… Esses a maioria lembra. Mas há algumas manutenções que a norma recomenda acontecerem a cada 3 a 5 anos, como a renovação do AVCB e a lavagem ou repintura da fachada, por exemplo, e que a maioria dos síndicos fica sem cobrar nada por anos. Quando finalmente chega a hora de fazer aquela manutenção, institui uma taxa extra “explosiva”. Muito melhor projetar o valor daquela despesa, dividir pelo número de meses até a sua realização e incluir essa fração no custo da cota condominial mensal.

Se esses itens não vinham sendo considerados em previsões anteriores, essa metodologia (a correta, diga-se de passagem) muito provavelmente vai gerar uma cota condominial um pouco mais alta que a anterior, e os condôminos vão chiar. Porém, é preciso fazê-los entender que as previsões anteriores estavam fazendo o condomínio viver no mundo de Nárnia, onde a cota era mais barata simplesmente porque muita coisa que PRECISA ser feita estava sendo flagrantemente negligenciada. E isso compromete a segurança, a qualidade de vida e o valor do patrimônio de todos. Simples assim.

E nas despesas extraordinárias, recomendo considerar prioritariamente as adequações necessárias para atendimento de normas de segurança e acessibilidade.

Fez tudo isso? Pronto, agora já dá pra orçar a receita necessária para pagar por tudo isso. A minha recomendação aqui é que a receita ordinária seja igual a despesa ordinária projetada mais um percentual de folga para imprevistos. Depois é só ratear para definir como ficam as novas cotas condominiais. É bom já levar isso calculado para a assembleia – os condôminos VÃO perguntar, garanto…

Com isso você terá excelentes bases para apresentar sua proposta de previsão orçamentária para a apreciação da assembleia. Eles podem até não gostar dos números, mas dificilmente terão argumentos para rejeitá-los.

Boa sorte!

Escrito por:

Sérgio Gouveia - Administrador de empresas, MBA em finanças, Certificado em Gestão e Estratégia pela Fundação Dom Cabral. Professor formado pela Universidade de Cambridge e treinador de professores certificado pela International House, ex-diretor de empresas, empreendedor e síndico morador há 9 anos. Influenciador no Instagram no perfil @derepentesindico , Sérgio Gouveia busca traduzir o complexo em algo simples que todo síndico possa entender e utilizar na sua gestão.

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