Primeiramente, para que serve o Conselho Regional de Administração?
O CRA é um órgão consultivo e orientador que fiscaliza o exercício da profissão de administrador. Tem a função de defender os direitos dos administradores e garantir o cumprimento das leis, além de orientar profissionais e empresas quanto à regularização, e realizar autuações no caso de descumprimento da legislação vigente.
A Lei 4.769/65 dispõe sobre o exercício da profissão do técnico em administração, definindo as atividades exclusivas desta profissão no art. 2º, repetindo-se no art. 3º, do Decreto 61.934/67, sem dar tratamento específico às administradoras de condomínios.
Porém, o Conselho Federal de Administração, por meio de seu poder regulamentar especial, reunido em 15 de setembro de 2011, proferiu o acórdão nº 01 de 2011, por meio do qual julgou obrigatório o registro nos Conselhos Regionais de Administração das empresas de administração de condomínios por prestarem serviços de assessoria e consultoria administrativa para terceiros, notadamente, nos campos da administração patrimonial e de materiais, administração financeira e administração e seleção de pessoas/recursos humanos, atividades privativas do administrador. O parecer técnico emitiu um direcionamento sobre a obrigatoriedade do registro de empresas de administração de condomínios nos conselhos regionais desde 2011.
Então, com base nesse entendimento, as administradoras de condomínios sem o CRA passaram a ser autuadas, sobrevindo decisão polêmica da 2ª Vara Federal de Dourados, que manteve autuação com imposição de multa no valor de R$ 3.917,45 a uma administradora em decorrência de falta de registro cadastral de pessoa jurídica junto ao órgão fiscalizador (CRA/MS).
A administradora requereu judicialmente a anulação do ato pela ausência de previsão legal para a autuação, e afirmou que suas atividades não se enquadravam entre aquelas privativas de administrador e que, portanto, não estava obrigada a tal registro.
O julgador, em referência à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ressaltou que o critério legal de obrigatoriedade de registro no Conselho Profissional é determinado pela atividade básica (atividade-fim, preponderante) da empresa ou natureza dos serviços prestados, conforme consta do artigo 1º da Lei 6.839/80 (Recurso Especial 1.655.430, Min. Herman Benjamin, STJ – Segunda Turma). E assim, entendeu que o ato normativo do Conselho Federal de Administração – CFA não inovou nem extrapolou o texto legal, pois foi regulamentar, e indicou que fiscalizar o exercício da profissão de administrador encontra-se dentro do rol de atribuições do Conselho, nos limites delegados pela Constituição da República.
Ocorre que o recurso especial citado na decisão, em realidade, entendeu que a empresa naquele caso analisado pelo STJ não poderia se submeter ao Conselho Regional porque sua atividade preponderante não estava vinculada a ele. Como mencionado pelo Min. Herman Benjamin:
Não obstante o fim público e a nobreza dessas instituições profissionais, devem estas observar os estreitos limites da autorização legal conferida pela norma de regência, de modo que o seu agir não desborde para a indevida interferência na liberdade profissional das empresas e individual das pessoas naturais que atuam no campo da atividade econômica ou no serviço público.
O poder de polícia dos Conselhos de Fiscalização abrange, além da cobrança das anuidades das pessoas naturais ou jurídicas, também a verificação de documentos ou o ingresso no estabelecimento para averiguação da regularidade do exercício profissional, mas somente se torna legítima caso haja relação direta entre a atividade da empresa e as competências institucionais do ente fiscalizador, o que não ocorreu no caso dos autos.
De fato, situação que recorrentemente vem sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário é aquela em que conselhos profissionais impõem sanções administrativas sem o necessário respaldo legal. Pelo que se questiona: ao regulamentar o exercício de técnicos em administração[1], abrange-se as atividades das administradoras de condomínio? Na perspectiva do direito administrativo sancionador, a questão da legalidade é ainda mais importante, sob pena de se conferir um poder punitivo amplo e descontrolado aos órgãos administrativos. Não há sanção administrativa sem previsão legal, como bem ensina a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Tal criação revela-se como prática contrária ao direito e violadora da legalidade, pois só pode haver restrição de direitos do particular pelo Estado se houver lei idônea para tanto.
Assim, é legítima a contestação das administradoras sobre a necessidade do registro no CRA por ausência de previsão legal específica, merecendo uma atenção urgente do Judiciário para se pacificar a situação. Afinal, não condiz com o Estado Democrático de Direito mudança de regra após o início do jogo, ou seja, prejudicar administradoras que atualmente não contam com o registro nem com uma clareza legal que lhe imponha tal obrigatoriedade.
Voltando-nos ao caso específico em análise, apontamos que a decisão de manter a autuação pelo magistrado ocorreu “porque não fez a parte prova de suas alegações, pois não juntou aos autos contrato social da empresa nem qualquer outro documento do qual se pudesse extrair a atividade econômica principal e secundária por ela desenvolvida. Logo, a empresa não se desincumbiu do ônus de provar que sua atividade preponderante não se submete ao registo no CRA.”
Com isso se discorda porque, de acordo com as regras do ônus da prova, sendo impossível a produção de prova negativa, o que se chama de prova diabólica, ou seja, provar que NÃO atua entre as atividades submetidas ao CRA, caberia a este órgão o ônus de demonstrar que a atividade da empresa SIM, se submete a ele, e não o contrário, pois impossível provar o que não existe. O objeto social da empresa é algo que todos podem ter acesso, seja pela Junta Comercial ou pela intimação via ofício a entidade pública que possa fornecer tal informação em juízo, nada justificando a ausência de produção da prova pelo próprio conselho autuante.
Assim, ainda que se concorde com o registro perante o CRA, defende-se a pacificação da intepretação de forma urgente, seja pela via do Judiciário ou pela normatização específica.
Ainda, o magistrado deixou registrado “que, no que se refere às empresas administradoras de condomínios, a jurisprudência distingue as situações em que a atividade principal da empresa é a administração, daquelas em que o foco reside na área de contabilidade ou mesmo no ramo imobiliário (corretores de imóveis, por ex.). Seja como for, tratando-se de atividades regulamentadas, é intransponível e compulsória a inscrição da empresa nos registros da entidade fiscalizadora da atividade-fim por ela desempenhada (CREA, CRC, CRECI etc). Descabido, certamente, exigir da empresa devidamente vinculada a determinado conselho inscrição simultânea em entidade fiscalizadora de outra atividade profissional por ela desempenhada de forma subsidiária. Contudo, no caso dos autos, a autora não alegou nem tampouco comprovou estar regularmente inscrita em qualquer outra entidade de classe – em vista de sua atividade preponderante ser outra, que não a de profissional de Administração.”
Por essa fundamentação, cada caso concreto mereceria análise específica tendo em vista a possibilidade de registro perante outro conselho profissional de acordo com a atividade preponderante da empresa de administração de condomínio. Porém, não parece correta tal conclusão, vez que permite inferir que, por exemplo, a administradora poderia exercer atividade devidamente regulamentada e fiscalizada por um outro conselho de profissão, desde que fosse de forma subsidiária, com o que não se pode concordar inclusive em atenção ao julgamento citado do STJ. A título exemplificativo, a OAB tem sido clara com relação à proibição de serviços jurídicos pelas administradoras de condomínios.
Por fim, chama ainda atenção este caso porque na sua fundamentação, o Magistrado utilizou-se de julgamento de outro Tribunal Regional Federal em que foi entendida a necessidade de CRA para uma empresa que prestava serviços de síndico profissional de condomínios residenciais, comerciais e shoppings:
EXECUÇAO FISCAL. EMBARGOS. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. EMPRESA ADMINISTRADORA DE CONDOMÍNIOS. ATIVIDADE PRINCIPAL. REGISTRO. EXIGIBILIDADE. 1. A jurisprudência deste Tribunal, na esteira da diretriz consolidada no colendo Superior Tribunal de Justiça, firmou-se no sentido de que é a atividade básica da empresa que vincula sua inscrição perante os conselhos de fiscalização de exercício profissional. Precedentes desta Corte. 2. Na hipótese, o objeto social principal da apelada consiste na “prestação de serviços de síndico profissional de condomínios residenciais, comerciais e shoppings, absorvendo tarefas necessárias a implantação e funcionamento desses imóveis”. Não se pode negar, portanto, que a empresa trabalha no ramo da administração, como estabelece o art. 2º da Lei nº 4.769/65 3. Ademais, deve-se salientar que a finalidade social é somente a administração, não englobando serviços de corretagem de imóveis, fato que ocasionaria a obrigatoriedade de registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis – CRECI. 4. Está claro, portanto, que a atividade básica da apelada diz respeito apenas à área da administração, motivo pelo qual está obrigada a ter registro no Conselho profissional apelante. Precedente. 5. Apelação provida. Sentença reformada. (TRF1, APELAÇÃO 2006.38.00.021248-4, Sétima Turma, Rel. Des. Reynaldo Fonseca, DJe 16/01/2015).
Mas em relação a esta questão, deixaremos a discussão para outro tema, a da regulamentação da profissão de síndico.
Por Amanda Lobão
Sócia do Lobão Advogados, advogada em São Paulo e no Maranhão, palestrante de eventos nacionais e internacionais do mercado condominial, além de colunista de mídias especializadas na área. É Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP, Membro Efetivo da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP, Diretora da ABRASCOND (Associação Brasileira de Síndicos de Condomínios) e especialista em Direito Imobiliário pela FGV. Foi premiada pela Associação dos Empresários do Mercosul e Pela Latin American Quality Institute com o prêmio “Empreendedores de Sucesso” e ” Empresa Brasileira do Ano de 2018”.
[1] Art. 3º A atividade profissional do Técnico de Administração, como profissão, liberal ou não, compreende:
- a) elaboração de pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens e laudos, em que se exija a aplicação de conhecimentos inerentes as técnicas de organização;
- b) pesquisas, estudos, análises, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos de administração geral, como administração e seleção de pessoal, organização, análise métodos e programas de trabalho, orçamento, administração de matéria e financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais bem como outros campos em que estes se desdobrem ou com os quais sejam conexos;
- c) o exercício de funções e cargos de Técnicos de Administração do Serviço Público Federal, Estadual, Municipal, autárquico, Sociedades de Economia Mista, empresas estatais, paraestatais e privadas, em que fique expresso e declarado o título do cargo abrangido;
- d) o exercício de funções de chefia ou direção, intermediária ou superior assessoramento e consultoria em órgãos, ou seus compartimentos, de Administração Pública ou de entidades privadas, cujas atribuições envolvam principalmente, aplicação de conhecimentos inerentes as técnicas de administração;
- c) o magistério em matéria técnicas do campo da administração e organização.
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