O ano de 2020 ficará, sem dúvida, marcado na história da humanidade, assim como outros episódios significativos: quando o primeiro homem pisou na lua (1969); término da segunda grande guerra (1945); queda das torres gêmeas (2001).

 

Do mesmo modo, lembraremos do fatídico momento atual, e o que estávamos fazendo durante este longo ano. E o gestor condominial lembrará do divisor de águas que foi a implementação das assembleias virtuais. 

Confesso que por muitos anos fui contrário a prática das assembleias virtuais, até porque antes da Lei 14.010/20 tínhamos como subsídio legal apenas: a previsão na Lei das Sociedades Anônimas (12.431/2011 art. 121) – que era utilizada por analogia para interpretar as leis condominiais que já previam a possiblidade da realização da assembleia à distância; e a possibilidade de inserção na convenção mediante alteração deste instrumento (mediante aprovação de 2/3 dos condôminos).  Porém, sempre me ative a pouca jurisprudência sobre o tema e aos restritos artigos do Código Civil  que não exauriam as múltiplas questões em âmbito condominial e, por isso, até a Lei 14.010/20,  preferi ser conservador a ter que orientar os condomínios a correrem riscos com a realização de tal prática e terem por consequência suas reuniões anuladas.  

Como é de conhecimento notório, a Lei 14.010/20 (art.12), atualmente em vigência, permite no lapso temporal de 10 de junho à 30 de outubro de 2020, a realização de assembleias no âmbito virtual.

E neste cenário inusitado em pleno estado de exceção que estamos vivendo, se criou uma nova realidade jurídica nos condomínios, um verdadeiro divisor de águas. Se antes da Lei 14.010/20 as controvérsias sobre assembleias virtuais, que até então eram raras na justiça, passou a partir da vigência da lei, a ter vasto repertório jurisprudencial em função das controvérsias trazidas pelo tema, sempre no sentido da viabilidade desta assembleia de forma virtual, ainda que com fundamento na lei transitória. Porém, o que chama mais atenção é a gritante aceitação por parte da sociedade quanto à implantação das assembleias em âmbito virtual. 

A este respeito o TJSP: 

APELAÇÃO – CONDOMÍNIO – ADMINISTRAÇÃO. Constituição do quadro diretivo e eleição do síndico competem exclusivamente à assembleia de condôminos, órgão máximo e soberano (art. 1347 do Cód. Civil). Possibilidade, ademais, de realização da assembleia por meio virtual, cuja convocação, aliás, está entre os deveres conferidos ao síndico. Manutenção deste na condição de administrador provisório, tão-somente para que convoque a assembleia extraordinária de condôminos, de modo remoto, e observadas as previsões legais, e até que se ultimem as deliberações visando à nomeação de novo síndico. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, COM DETERMINAÇÃO. (GRIFEI)

(TJ-SP – AC: 10055176220208260003 SP 1005517-62.2020.8.26.0003, Relator: Antonio Nascimento, Data de Julgamento: 10/07/2020, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/07/2020)

No mesmo sentido:

Tutela antecipada de urgência. Pandemia por COVID-19. Suspensão das deliberações de assembleia de condomínio por não ter sido ela realizada de forma virtual. Verossimilhança do direito inocorrente. Artigo 12 da Lei 14.010/2020 que meramente faculta a adoção daquela forma, não sendo dado ao Juiz substitui-se aos condôminos no exame da conveniência da adoção dessa forma. Recolhimento de contribuição por juntada de mandato que tem previsão na Lei estadual nº 10.394/70. Princípio da reserva de plenário que desautoriza proclamação da inconstitucionalidade desse dispositivo. Recurso improvido.

(TJ-SP – AI: 22231681820208260000 SP 2223168-18.2020.8.26.0000, Relator: Arantes Theodoro, Data de Julgamento: 07/10/2020, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/10/2020)

E o que seriam as leis, senão o reflexo dos anseios da sociedade? Neste momento a coletividade clama pela realização das assembleias virtuais, sejam estas por sistemas de vídeo (zoom, teams e outros), ou por sistemas estáticos nos quais os votos possam ser computados somente após login no sistema e pauta pré-definida. 

Para fundamentar a realização das assembleias virtuais após 30 de outubro de 2020, precisamos nos socorrer à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a qual define que a omissão da lei será decidida pelo juiz de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito (art. 4º) e, ainda, que a aplicação da lei se dará para atender os fins sociais que se destinam e as exigências do bem comum (art. 5º). 

Neste esteio precisamos interpretar os artigos acima em conjunto com os princípios gerais do direito civil, como por exemplo, o princípio da legalidade aduz que: É permitido ao particular fazer tudo aquilo que a lei não proibir. 

E não obstante os artigos 1.352 e 1.353 do Código Civil tragam a menção expressa da votação “presencial” quando menciona quóruns de votação, é imperioso que a interpretação seja realizada no contexto do tempo em que a lei foi promulgada (2002), momento este em que não era sensato pensar em assembleias virtuais no âmbito condominial. Porém, em contradição aos artigos supra mencionados, os artigos 1.334 e 1.350 do mesmo diploma, estabelecem que a convenção condominial tem poderes para definir a sua forma de convocação e trazer a assembleia virtual para a sua comunidade. 

Assim, conclui-se, até aqui, que a assembleia virtual poderá ser prevista na Convenção do Condomínio. 

 E se a Convenção não prever a forma de convocação (art. 1.350 do CC) será necessária a alteração deste instrumento pelo voto de 2/3 dos condôminos para possibilitar a assembleia virtual?

Entendo que a intepretação mais segura seria a necessidade de quórum de 2/3 para inserir a possibilidade de assembleia virtual, mas assim como uma enxurrada que desce morro abaixo, a assembleia virtual será uma realidade e caberá aos doutrinadores e aos operadores do direito abrirem os caminhos para minimizar os impactos da passagem desta enxurrada. 

E indo de encontro ao acima exposto, utilizando-se: a) analogia as assembleias virtuais das sociedade anônimas; b) Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro; c) anseios da sociedade; d) novos usos e costumes;  e) levando em conta o repertório atual dos Tribunais sobre o tema; f) pelo fato da lei cogente não vetar tal prática; as assembleias virtuais serão perpetuadas independente de previsão na convenção condominial, salvo se houver: a) disposição em contrário no convenção; b) nova lei proibindo a prática; ou c) se a consolidação da jurisprudência vier em sentido contrário às reuniões virtuais. Caso isso não ocorra, as reuniões virtuais poderão continuar ocorrendo independente de previsão da convenção e pelo simples fato de não contrariar a lei. 

 

 

Dr. Rodrigo Karpat – Advogado militante na área cível há mais de 15 anos, sendo referência em direito imobiliário e questões condominiais. É Coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP.

Escrito por:

Rodrigo Karpat - Especialista em direito imobiliário e questões condominiais. Coordenador de Direito Condominial na Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP e Membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Nacional.

Assine a newsletter do Viva e receba
notícias como esta no seu e-mail

    Comente essa postagem

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos marcados com * são obrigatórios.

    Seu comentário será moderado pelo Viva o Condomínio e publicado após sua aprovação.