Essa pergunta tem se tornado cada vez mais recorrente na vida condominial, tendo em vista o aumento significativo na venda de carros elétricos e híbridos no Brasil.

Conforme divulgado pela ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) as previsões de mercado para carros híbridos e elétricos é de que as vendas devem crescer 61% em 2024, passando de 88.800 unidades para 142.000. Se antes era marginal a ampliação da participação dos automóveis elétricos no cenário automotor nacional, hoje observa-se que foi expandida em mais de 24 vezes no período entre 2020 e a projeção de 2024. [1]

Muito se questiona se os condomínios têm obrigação de disponibilizar aos moradores que possuem esse tipo de veículo ponto para carregamento, ou até mesmo se o próprio condômino pode realizar as adequações necessárias na sua vaga para receber tal tecnologia. A resposta é que atualmente o judiciário de alguns estados têm desobrigado condomínios de instalar tomadas para carros elétricos.

Por enquanto, somente na cidade de São Paulo através do PL 01-00346/17, que foi sancionado em 31 de março de 2021, tornou-se obrigatório para os novos condomínios residenciais e comerciais disponibilizarem tomadas para carros elétricos e híbridos nas garagens, com medição independente de consumo, não afetando os condomínios já existente.

Notem que um dos pontos principais é existência ou não um medidor individual para cada veículo com custo por óbvio pago pelos proprietários de veículos híbridos ou elétricos. Para os condomínios novos sabemos da obrigatoriedade a disponibilização das tomadas. Mas e para os condomínios antigos? Será que a concessionária que fornece energia elétrica fará a instalação de novos pontos, com relógios individuais? Será que o condomínio tem capacidade para suportar esses novos medidores?

A improcedência nos processos tende a acontecer, pois há uma série de assuntos a serem analisados antes de efetuar a instalação. Atenção síndico! Primeiro, é necessário verificar se o prédio tem condições elétricas e financeiras suficientes para a instalação. Em seguida, é preciso realizar uma análise de disponibilidade de potência, elaborar um projeto elétrico e fazer a adequação civil e elétrica, em muitos casos de prédios mais antigos não há essa disponibilidade. Além disso, a energia elétrica da garagem faz parte dos gastos comuns do condomínio, a maneira como isso será rateado pelos utilizadores das tomadas geram questionamentos nos demais moradores.

Os julgamentos acerca do tema também levam em consideração o que foi decidido em assembleia, tendo como base o princípio da soberania da decisão assemblear, de modo que não podem ser alteradas a critério de cada condômino as regras de convívio, devendo prevalecer o entendimento de que o limite da proibição é o interesse coletivo, visto que as vagas de garagem, embora privativas, localizam-se em área comum do edifício, de modo que necessária a aprovação em assembleia (Art. 1.342, CC).[2]

Aqui cabe mais uma ressalva. Sabemos que a forma de pagamento dos custos nos condomínios é o rateio de despesas, e que o ponto mais delicado de um morador é o bolso. Mas por outro lado, não podemos negar as novidades do mundo moderno. Alguém se lembra quando as primeiras câmeras de segurança foram instaladas em um condomínio e seus custos? Hoje nenhum condomínio vive sem o CFTV. Superamos as dúvidas sobre portaria virtual, uso de drones nos condomínios, tudo sempre deliberado em assembleia e a regra incluída no regulamento interno. Será que agora não é o momento das tomadas para carros elétricos?

Por outro lado, o condomínio não pode sofrer as consequências da escolha do morador que adquiriu o veículo movido à energia elétrica antes da instalação do carregador compatível no condomínio. É de se presumir que, ao comprar o veículo, o adquirente deve ou deveria ter observado se o prédio possui instalação adequada para recarga de carros elétricos ou híbridos.[3]

Na 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, a desembargador relator Mário Daccache, afirmou em sua decisão[4]:

“Ou seja, atender ao interesse particular dos autores, na hipótese, vai de encontro ao interesse coletivo, pois, além da reprovação do projeto pela maioria, impediria que outros moradores tivessem o mesmo direito sem causar impacto à estrutura da rede elétrica do condomínio, conforme reconhecido pela magistrada. Além disso, evidentemente, colocaria os autores em situação de vantagem em relação a outros, algo vedado pelo ordenamento jurídico, que consagra a igualdade de direitos entre os condôminos.

Outro julgado interessante sobre o tema ocorreu recentemente na segunda turma recursal cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro o Relator Dr. Mauro Nicolau Junior (TJ-RJ), assim disciplinou:[5]

“Ainda que assim não fosse, resta certo ainda que a tomada foi instalada em área comum cuja utilização não há como ser privada ou particular de quem quer que seja sem prévia e expressa autorização pela assembleia de condôminos. III – O uso dos espaços comuns depende necessariamente de autorização e aprovação em assembleia de condôminos. IV – Ainda que assim não fosse há serias dúvidas quanto à segurança da instalação levada a efeito com sérios e latentes riscos de incêndio e lesão aos moradores e ao patrimônio quer do réu quer dos demais condôminos.”

É massivo o número de julgados que reconhecem a decisão tomada em assembleia sobre o tema. Nesse sentido, o recomendado aos síndicos e administradoras quando questionados sobre o assunto antes de qualquer tomada de decisão é realizar as verificações técnicas de compatibilidade do edifício. Havendo disponibilidade, o assunto deve ser colocado em pauta para decisão dos condôminos via assembleia, o quórum de autorização assemblear de é de 2/3 de todos os condôminos, na forma do art. 1.342 do CC.

Porém, encontramos decisão favorável em um caso do Rio Grande do Sul, (processo nº 5081515-30.2021.8.21.7000) em que o TJ gaúcho proferiu decisão favorável para um casal que realizou a instalação de tomada sob o argumento de que tinham autorização do síndico. O condomínio, por sua vez, recorreu para o Tribunal e o Desembargador manteve a decisão, alegando que o condomínio precisa se adaptar a essa nova realidade dos carros híbridos e elétricos.

Diante de todo exposto, é nítido que a instalação de tomadas para carros elétricos em condomínios é uma questão complexa, que envolve aspectos legais, técnicos e financeiros. A indicação para os moradores que desejem adquirir um veículo elétrico é de que antes consulte o síndico ou administradora do condomínio sobre as regras e condições para a instalação de uma tomada em sua vaga de garagem.

[1] https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/vendas-carros-hibridos-e-eletricos-no-brasil-podem-crescer-61-em-2024#:~:text=A%20Anfavea%20divulgou%20suas%20previs%C3%B5es,de%20dezembro%20n%C3%A3o%20est%C3%A1%20fechado.

[2] PROCESSOS: 101865278.2019.8.26.0100 e 101117851.2022.8.26.0003

[3] PROCESSO: 200430408.2023.8.26.0000

[4] PROCESSO 1051513-12.2018.8.26.0114: Condomínio edilício Ação declaratória que visa nulidade de votação em assembleia Autores pretendem autorização para instalar tomada elétrica individual na garagem para carregamento de veículo híbrido Projeto submetido à votação em assembleia e reprovado pela maioria Laudo pericial produzido nos autos indica viabilidade técnica para atender à solicitação particular dos autores Contudo, aponta a necessidade de adequação suplementar das instalações elétricas do condomínio para novas solicitações, o que poderia inviabilizar a instalação do ponto de energia para todos os condôminos Princípio da igualdade entre os condôminos que deve ser observado Autores que ficariam em situação de vantagem em relação aos demais Interesse individual que não pode se sobrepor ao da coletividade Deliberação assemblear que é soberana Improcedência mantida Recurso ao qual se nega provimento.

[5] PROCESSO 0813543-21.2022.8.19.0209

Escrito por:

Fernando Augusto Zito - O autor é advogado militante na área de Direito Civil; especialista em Direito Condominial; pós-graduado em Direito Tributário pela PUC/SP; pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP; diretor jurídico da Assosíndicos – Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo; colunista dos sites especializados “Sindiconet”, Viva o Condomínio, da revista “Em Condomínios” e palestrante.

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